Mãe!
Vem ouvir a minha cabeça a contar histórias ricas que ainda nãoviajei!
Traze tinta encarnada para escrever estas coisas!
Tinta cor de sangue verdadeiro, encarnado!
Mãe!
Eu ainda não fiz viagens. E a minha cabeça não se lembra senão de viagens!
Eu vou viajar. Tenho sede! Eu prometo saber viajar.
Quando voltar é para subir os degraus da tua casa, um por um.
Eu vou aprender de cor os degraus da nossa casa.Depois venho sentar-me a teu lado.
Tu a coseres e eu a contar-te as minhas viagens,
aquelas que eu viajei, tão parecidas com as que não viajei,escritas ambas com as mesmas palavras.
Mãe!
Ata as tuas mãos às minhas e dá um
nó-cego muito apertado!
Eu quero ser qualquer coisa da nossa casa.
Eu também quero ter um feitio, um feitio que sirva exatamente para a nossa casa, como a mesa. Como a mesa.
Mãe!
Passa a tua mão pela minha cabeça!
Quando passas a tua mão na minha cabeça é tudo tão verdade!
Almada Negreiros - "A Invenção do Dia Claro"