domingo, julho 29, 2007

quarta-feira, julho 25, 2007

Van Gogh


"Wheat Field Under Threatening Skies", 1890
Van Gogh Museum, Amsterdam

O valor do vento

Está hoje um dia de vento e eu gosto do vento
O vento tem entrado nos meus versos de todas as maneiras e
só entram nos meus versos as coisas de que gosto
O vento das árvores o vento dos cabelos
o vento do inverno o vento de verão
O vento é o melhor veículo que conheço
Só ele traz o perfume das flores só ele traz
a música que jaz à beira-mar em Agosto
Mas só hoje soube o verdadeiro valor do vento
O vento actualmente vale oitenta escudos
Partiu-se o vidro grande da janela do meu quarto

Ruy Belo, in "Homem de Palavra(s)"

segunda-feira, julho 23, 2007

Ana Hatherly


Ana Hatherly

Um rio de luzes

Um rio de escondidas luzes
atravessa a invenção da voz:
avança lentamente
mas de repente
irrompe fulminante
saindo-nos da boca

No espantoso momento
do agora da fala
é uma torrente enorme
um mar que se abre
na nossa garganta

Nesse rio
as palavras sobrevoam
as abruptas margens do sentido

Ana Hatherly, in "O Pavão Negro", Assírio&Alvim, 2003

domingo, julho 22, 2007

Mário Cesariny


Autografia

Sou um homem
um poeta
uma máquina de passar vidro colorido
um copo uma pedra
uma pedra configurada
um avião que sobe levando-te nos seus braços
que atravessam agora o último glaciar da terra
O meu nome está farto de ser escrito na lista dos tiranos: condenado
à morte!
os dias e as noites deste século têm gritado tanto no meu peito que
existe nele uma árvore miraculada
tenho um pé que já deu a volta ao mundo
e a família na rua
um é loiro E sou, no sentido mais enérgico da palavra
na carruagem de propulsão por hálito
os amigos que tive as mulheres que assombrei as ruas por onde
passei uma só vez
tudo isso vive em mim para uma história
de sentido ainda oculto
magnífica irreal
como uma povoação abandonada aos lobos
lapidar e seca
como uma linha férrea ultrajada pelo tempo
é por isso que eu trago um certo peso extinto
nas costas
a servir de combustível
é por isso que eu acho que as paisagens ainda hão-de vir a ser
escrupulosamente electrocutadas vivas
para não termos de atirá-los semi-mortas à linha
E para dizer-te tudo
dir-te-ei que aos meus vinte e cinco anos de existência solar estou
em franca ascensão para ti O Magnífico
na cama no espaço duma pedra em Lisboa-Os-Sustos
e que o homem-expedição de que não há notícias nos jornais nem
lágrimas à porta das famílias
sou eu meu bem sou eu partido de manhã encontrado perdido entre
lagos de incêndio e o teu retrato grande!


Mário Cesariny, in "Pena Capital",Assírio & Alvim, 1999

sábado, julho 21, 2007

Magritte


Tivesse eu

Tivesse eu os tecidos bordados dos céus,
Lavrados com a prata e o ouro da luz,
Os tecidos azuis e foscos e de breu
Que têm a noite,a luz e a meia-luz
Estenderia esses tecidos a teus pés:
Mas eu, porque sou pobre,apenas tenho sonhos;
São os meus sonhos que eu estendi a teus pés;
Sê suave no pisar, que pisas os meus sonhos.
William Butler Yeats

sexta-feira, julho 20, 2007

Giacomo Balla


Giacomo Balla"Velocità astratta + rumore", 1913-1914,
Guggenheim Museum, New York City

Digam!

Digam!
Lá porque estão acesas as estrelas,
será porque elas são necessárias a alguém?
Será porque alguém há a desejar que existam?
Será porque alguém chama a esses escarros, pérolas?
E, vencendo
a poeirenta borrasca do meio-dia,
alguém corre p´ra Deus,
temendo chegar tarde,
chora,
beija-lhe a mão nodosa,
implora -que lhe falta um estrela!
-jura
que, sem estrelas, não pode suportar este martírio.
E depois,
lá vai com a sua angústia,
mostrando paz na cara.
Perguntando a qualquer:
"Agora, está melhor, não é assim?
Já não tens medo?
Não?
"Digam!
Lá porque estão acesas
as estrelas -
será porque elas são necessárias a alguém?
será porque é - indispensável,
que cada noite
por cima dos telhados
uma só estrela, ao menos, se ponha a reluzir?

Vladimir Maiakowski, "Autobiografia e Poemas", 1977
Editorial Presença

quarta-feira, julho 18, 2007

Vermeer


Vermeer, "View of Delft ",1659-60,
Mauritshuis Museumn - Haia

Burnt Norton

I

O tempo presente e o tempo passado
Estão ambos talvez presentes no tempo futuro,
E o tempo futuro contido no tempo passado.
Se todo o tempo é eternamente presente
Todo o tempo é irredimível.
O que podia ter sido é uma abstracção
Permanecendo possibilidade perpétua
Apenas num mundo de especulação.
O que podia ter sido e o que foi
Tendem para um só fim, que é sempre presente.
Ecoam passos na memória
Ao longo do corredor que não seguimos
Em direcção à porta que nunca abrimos
Para o roseiral. As minhas palavres ecoam
Assim, no teu espirito.
Mas para quê
Perturbar a poeira numa taça de folhas de rosa
Não sei.
Outros ecos
Habitam o jardim. Vamos segui-los?
Depressa, disse a ave, procura-os, procura-os,
Na volta do caminho. Através do primeiro portão,
No nosso primeiro mundo, seguiremos
O chamariz do tordo? No nosso primeiro mundo.
Ali estavam eles, dignos, invisiveis,
Movendo-se sem pressão, sobre as folhas mortas,
No calor do outono, através do ar vibrante,
E a ave chamou, em resposta à
Música não ouvida dissimulada nos arbustos,
E o olhar oculto cruzou o espaço, pois as rosas
Tinham o ar de flores que são olhadas.
Ali estavam como nossos convidados, recebidos e recebendo.
Assim nos movemos com eles, em cerimonioso cortejo,
Ao longo da alameda deserta, no círculo de buxo,
Para espreitar o lago vazio.
Lago seco, cimento seco, contornos castanhos,
E o lago encheu-se com água feita de luz do sol,
E os lótus elevaram-se, devagar, devagar,
A superfície cintilava no coração da luz,
E eles estavam atrás de nós, reflectidos no lago.
Depois uma nuvem passou, e o lago ficou vazio.
Vai, disse a ave, pois as folhas estavam cheias de crianças,
Escondendo-se excitadamente.. contendo o riso.
Vai, vai, vai, disse a ave: o género humano
Não pode suportar muita realidade.
O tempo passado e o tempo futuro
O que podia ter sido e o que foi
Tendem para um só fim, que é sempre presente.

II

Alhos e safiras na lama
Coagulam o eixo fixo.
O arame que vibra no sangue
Canta sob inventeradas cicatrizes
Apaziguando guerras há muito esquecidas.
A dança ao longo da artéria
A circulação da linfa
Estão representadas no rumo dos astros
Elevam-se ao verão na árvore
Nós movemo-nos acima da árvore em movimento
Na luz sobre a folha imaginada
E ouvimos no solo molhado
Lá em baixo, o cão de caça e o javali
Prosseguirem o seu ciclo como antes
Mas reconciliados no meio dos astros.

No ponto morto do mundo em rotação. Nem came nem
espírito;
Nem de nem para; no ponto morto, aí está a dança,
Mas nem paragem nem movimento. E não se chame a isso
fixidez,
Onde o passado e o futuro se reúnem. Nem movimento de
nem para,
Nem ascensâo nem declínio. Se não fosse o ponto, o ponto
morto,
Não haveria dança, e há só a dança.
Eu apenas posso dizer, estivemos ali: mas não posso dizer onde.
E não posso dizer por quanto tempo, pois seria situar isso no tempo.
A liberdade interior do desejo prático,
A libertação de acção e sofrimento, libertação da compulsão
Interior e exterior, e no entanto tendo à volta
Uma graça de sentido, uma luz branca em repouso e em movimento,
Erhebung sem movimento, concentração
Sem eliminação, ao mesmo tempo um novo mundo
E o velho tomado explícito, compreendida
No remate do seu êxtase parcial
A resolução do seu horror parcial.
Todavia o encadeamento de passado e futuro
Tecido na fraqueza do corpo em mutação
Protege a humanidade do céu e da danação
Que a carne não pode suportar.
O tempo passado e o tempo futuro
Apenas concedem um pouco de consciência.
Estar consciente é não estar no tempo
Mas apenas no tempo podem o momento no roseiral,
O momento no caramanchel onde a chuva batia,
O momento na igreja desabrigada ao entardecer
Ser lembrados; envolvidos em passado e futuro.
Apenas pelo tempo o tempo é conquistado.

III

Este é um lugar de desafeição
O tempo antes e o tempo depois
Numa luz sombria: nem luz do dia
Investindo a forma de lúcida quietude
Transformando a sombra em efémera beleza
Com vagarosa rotação sugerindo permanência
Nem escuridão para purificar a alma
Esvaziando o sensual pela privação
Purificando a afeição do temporal.
Nem plenitude nem vazio. Apenas um tremeluzir
Sobre os rostos tensos devastados pelo tempo
Distraídos da distracção pela dístracção
Cheios de fantasias e vazios de sentido
Túmida apatia sem concentração
Homens e pedaços de papel remolnhando no vento frio
Que sopra antes e depois do tempo,
Vento que entra e sai de pulmões viciados
Tempo antes e tempo depois.
Eructação de almas doentias
No ar desbotado, os miasmas
Levados no vento que varre os sombrios montes de Londres,
Hampstead e Clerkenwell, Campden e Putney,
Hihgate, Primrose e Ludgate. Não aqui
Não aqui a escuridão, neste mundo de agitadas vozes.

Desce mais, desce apenas
Ao mundo da solidão perpétua,
Mundo não mundo, mas aquilo que não é mundo,
Escuridão interna, privação
E destituição de toda a propriedade,
Dissecação do mundo do sentido,
Evacuação do mundo da fantasia,
Inoperância do mundo do espírito;
Estee é um dos caminhos, e o outro
É o mesmo, não em movimento
Mas abstenção de movimento; enquanto o mundo se move
Em apetência, nos seus caminhos metalizados
Do tempo passado e do tempo futuro.

IV

O tempo e o sino enterraram o dia,
A nuvem negra arrebata o sol.
Irá voltar-se para nós o girassol, a clematite
Desprender-se, debruçar-se; irão a gavinha e a vergôntea
Unir-se e aderir?
Os frígidos
Dedos do teixo descerão
Para nos envolver? Depois da asa do alcião
Ter respondido à luz com a luz e calar-se, a luz está em repouso
No ponto morto do mundo em rotação.

V

As palavras movem-se, a música move-se
Apenas no tempo; mas o que apenas vive
Apenas pode morrer. As palavras, depois de ditas,
Alcançam o silêncio. Apenas pela forma, pelo molde,
Podem as palavras ou a música alcançar
O repouso, tal como uma jarra chinesa ainda
Se move perpetuamente no seu repouso.
Não o repouso do violino, enquanto a nota dura,
Não isso apenas, mas a coexistência,
Ou digamos que o fim precede o princípio,
E que o fim e o princípio estiveram sempre ali
Antes do princípio e depois do fim.
E tudo é sempre agora. As palavras deformam-se,
Estalam e quebram-se por vezes, sob o fardo,
Sob a tensão, escorregam, deslizam, perecem,
Definham com imprecisão, não se mantêm,
Não ficam em repouso. Vozes estridentes
Ralhando, troçando, ou apenas tagarelando,
Assaltam-nas sempre. O Verbo no deserto
É muito atacado por vozes de tentação,
A sombra que chora na dança funérea,
O clamoroso lamento da quimera desconsolada.

O detalhe do molde é movimento,
Como na figura dos dez degraus.
O próprio desejo é movimento
Não desejável em si;
O próprio amor é inamovível,
Apenas a causa e o fim do movimento,
Intemporal, e sem desejo
Excepto no aspecto do tempo
Capturado sob a forna de limitação
Entre o não ser e o ser.
De repente num raio de sol
Mesmo enquanto se move a poeira
Eleva-se o riso escondido
De crianças na folhagem
Depressa, aqui, agora, sempre-
Ridículo o triste tempo inútil
Que se estende antes e depois.


T.S. Elliot,in "Quatro Quartetos",
Tradução de Maria Amélia Neto,Edições Ática

segunda-feira, julho 16, 2007

Kirchner


Kirchner, Ernst Ludwig - "Fränzi in front of Carved Chair",1910

Amor como em casa

Regresso devagar ao teu
sorriso como quem volta a casa. Faço de conta que
não é nada comigo. Distraído percorro
o caminho familiar da saudade,
pequeninas coisas me prendem,
uma tarde num café, um livro. Devagar
te amo e às vezes depressa,
meu amor, e às vezes faço coisas que não devo,
regresso devagar a tua casa,
compro um livro, entro no
amor como em casa.

Manuel António Pina

domingo, julho 15, 2007

Mimmo Paladino


Mimmo Paladino, Canto Guerriero, 1981
Ball State Museum of Art, Indiana
Sim, a hora nova é a menos severa.
Pois posso dizer que a vitória está garantida: o ranger de dentes, as labaredas de fogo, os suspiros enfermos se moderam. Todas as lembranças sujas se apagam. Meus últimos remorsos se retiram - invejas pelos mendigos, os facínoras, os amigos da morte, os retardados de toda espécie - condenados, seu eu me vingasse.
É preciso ser absolutamente moderno.
Nada de cânticos; manter o passo dado. Dura noite!
Rimbaud

sábado, julho 14, 2007

Pollock


Pollock, Jackson- Galaxy,1947

olha-me de novo

Se te pareço noturna e imperfeita
Olha-me de novo. Porque esta noite
Olhei-me a mim, como se tu me olhasses.
E era como se a água desejasse



Escapar de sua casa que é o rio
E deslizando apenas, nem tocar a margem.

Te olhei. E há tanto tempo
Entendo que sou terra. Há tanto tempo
Espero
Que o teu corpo de água mais fraterno
Se estenda sobre o meu. Pastor e nauta

Olha-me de novo. Com menos altivez.
E mais atento.

Hilda Hilst

quinta-feira, julho 12, 2007

Julian Schnabel


Julian Schnabel - "Owl", 1980

Sonho

Penso que devo ter adormecido por algum tempo;
Pois quando acordei tinhas vindo e partido.
Apenas algumas flores permaneciam

Flores que não podiam sequer dizer quem eram...
E uma fragância vaga e suave no ar.

Esta noite tenho de sonhar um sonho mais longo
Para que as flores falem
E a sua fragância estenda uma trémula ponte
Entre nós.

P.S. Rege

quarta-feira, julho 11, 2007

The Brontë Family


Life

Life, believe, is not a dream
So dark as sages say;
Oft a little morning rain
Foretells a pleasant day.
Sometimes there are clouds of gloom,
But these are transient all;
If the shower will make the roses bloom,
O why lament its fall ?

Rapidly, merrily,
Life's sunny hours flit by,
Gratefully, cheerily,
Enjoy them as they fly !

What though Death at times steps in
And calls our Best away ?
What though sorrow seems to win,
O'er hope, a heavy sway ?
Yet hope again elastic springs,
Unconquered, though she fell;
Still buoyant are her golden wings,
Still strong to bear us well.
Manfully, fearlessly,
The day of trial bear,
For gloriously, victoriously,
Can courage quell despair !
Charlotte Brontë

terça-feira, julho 10, 2007

De Chirico


Giorgio de Chirico - "The Eventuality of Destiny", 1927

Sossega, coração!

Sossega, coração! Não desesperes!
Talvez um dia, para além dos dias,
Encontres o que queres porque o queres.
Então, livre de falsas nostalgias,
Atingirás a perfeição de seres.
Mas pobre sonho o que só quer não tê-lo!
Pobre esperença a de existir somente!
Como quem passa a mão pelo cabelo
E em si mesmo se sente diferente,
Como faz mal ao sonho o concebê-lo!

Sossega, coração, contudo! Dorme!
O sossego não quer razão nem causa.
Quer só a noite plácida e enorme,
A grande, universal, solente pausa
Antes que tudo em tudo se transforme.

Fernando Pessoa, 1933

segunda-feira, julho 09, 2007

George Grosz


George Grosz - "The Survivor"1944, Private Collection

Hoje...

Hoje...
Não sou das letras
nem dos sons
Sou de lugar nenhum.

Agora, que regresso, são novos os retratos
sobre o tampo da mesa; e outros também
os livros e os enredos e as histórias
concebidas sobre a cama onde antes se
demorava o meu perfume se eu partia.

É como se voltasse apenas de perfil; e
do romance outrora longamente entalado
entre os dedos já só sobrasse uma lombada
estreita, acanhada na estante. Havia um
sonho exausto sobre as minhas pálpebras
antes de ter chegado, e agora,

que regresso, não tenho voz que o diga -
sou de lugar nenhum, ninguém me tem...

Maria do Rosário Pedreira

domingo, julho 08, 2007

A flor que és, não a que dás, eu quero.
Porque me negas o que te não peço.
Tempo há para negares.
Depois de teres dado.

Flor, sê-me flor! Se te colher avaro
A mão da infausta esfinge, tu perene
Sombra errarás absurda,
Buscando o que não deste.

Ricardo Reis

sábado, julho 07, 2007

Lucien Freud


Lucien Freud "Girl with a White Dog", 1950/1,
Tate Collection

Além do Tempo

Esse amor sem fim, onde andará?
Que eu busco tanto e nunca está
E não me sai do pensamento
Sempre, sempre longe

Esse amor tão lindo que se esconde
Nos confins do não sei onde
Vive em mim além do tempo
Longe, longe, onde?

Por que não me surges nessa hora
Como um sol
Como o sol no mar
Quando vem a aurora

Esse amor que o amor me prometeu
E que até hoje não me deu
Por que não está ao lado meu?

Esse amor sem fim, onde andará?
Esse amor, meu amor,
Onde andará?

Vinicius de Moraes

sexta-feira, julho 06, 2007

Tamara de Lempicka


Tamara de Lempicka, "Adam and Eve", ca. 1932
Musee du Petit Palais - Geneve
O amor pode ser uma coisa fatal.
Nunca imaginei o amor como lugar paradisíaco.
Mas vale mais durar ou arder?
Vale mais arder: aí estou com Shelley.
Murillo Mendes

quinta-feira, julho 05, 2007

Alice Neel


Nell,Alice - "Self-portrait", 1980
National Portrait Gallery, Washington

Gosto das mulheres que envelhecem

Gosto das mulheres que envelhecem,
com a pressa das suas rugas, os cabelos
caídos pelos ombros negros do vestido,
o olhar que se perde na tristeza
dos reposteiros. Essas mulheres sentam-se
nos cantos das salas, olham para fora,
para o átrio que não vejo, de onde estou,
embora adivinhe aí a presença de
outras mulheres, sentadas em bancos
de madeira, folheando revistas
baratas. As mulheres que envelhecem
sentem que as olho, que admiro os seus gestos
lentos, que amo o trabalho subterrâneo
do tempo nos seus seios. Por isso esperam
que o dia corra nesta sala sem luz,
evitam sair para a rua, e dizem baixo,
por vezes, essa elegia que só os seus lábios
podem cantar.
Nuno Júdice

Nick Cave & The Bad Seeds - (Are You) The One

quarta-feira, julho 04, 2007

Francesco Clemente


Francesco Clemente, "Scissors and Butterflies",1999
Guggenheim Museum, New York

Palavras

Nenhum ramo
é seguro. Frágeis
são as palavras.
Albano Martins

terça-feira, julho 03, 2007

Tiziano


Titian (Tiziano Vecellio), "Venus and Adonis"
Museo del Prado,Madrid

Murmúrio

Traze-me um pouco das sombras serenas
que as nuvens transportam por cima do dia!
Um pouco de sombra, apenas,
- vê que nem te peço alegria.

Traze-me um pouco da alvura dos luares
que a noite sustenta no teu coração!
A alvura, apenas, dos ares:
- vê que nem te peço ilusão.

Traze-me um pouco da tua lembrança,
aroma perdido,saudade da flor!
- Vê que nem te digo- esperança!
- Vê que nem sequer sonho - amor!

Cecilia Meireles

segunda-feira, julho 02, 2007

André Masson


Masson, André - "Animal Pris au Piege", 1929
Conheço o sal da tua pele seca
depois que o estio se volveu inverno
da carne repousando em suor nocturno.

Conheço o sal do leite que bebemos
quando das bocas se estreitavam lábios
e o coração no sexo palpitava.

Conheço o sal dos teus cabelos negros
ou louros ou cinzentos que se enrolam
neste dormir de brilhos azulados.

Conheço o sal que resta em minha mãos
como nas praias o perfume fica
quando a maré desceu e se retrai.

Conheço o sal da tua boca, o sal
da tua língua, o sal de teus mamilos,
e o da cintura se encurvando de ancas.

A todo o sal conheço que é só teu,
ou é de mim em ti, ou é de ti em mim,
um cristalino pó de amantes enlaçados.

Jorge de Sena

domingo, julho 01, 2007

Josef Albers


Josef Albers - "Homage to the Square-Apparition", 1959,
Guggenheim Collection

A Better Resurrection

I have no wit, I have no words, no tears;
My heart within me like a stone
Is numbed too much for hopes or fears;
Look right, look left, I dwell alone;
A lift mine eyes, but dimmed with grief
No everlasting hills I see;
My life is like the falling leaf;
O Jesus, quicken me.

Sylvia Plath